Ainda tem vida inteligente por aqui?
Oioioi! Depois de trezentos anos eu volto pra dizer que comecei um projeto novo, no blog Fé Não É Filosofia. É um blog voltado mais pra um público cristão (sim) e é isso rs, eu tô bem feliz com essa nova fase da minha vida. Lá eu vou escrever tanto quanto nesse, mas num contexto totalmente diferente. Se você está interessado, não deixa de passar lá e dar o seu oi
CÉU - ÚLTIMA PARTE
Observo minha sobrinha entrar pela sala arrastando um urso de pelúcia. Observo seu pequenino rosto que é a cópia de minha irmã. Olho como os seus olhos são iguais aos dela, seu cabelo, sua boca. Tudo me lembra minha irmã quando pequena. Ela se aproxima e me abraça, como de comum. Logo em seguida, senta-se ao meu lado. Minha irmã fixa os olhos em mim.
- É uma pena que você não tenha um filho.
Simplesmente concordo com a cabeça. Minha sobrinha põe a mão sobre a minha e eu a observo. Tão pequena em relação á minha. Tão perfeita. Dedos rechonchudos e pálidos. E em um segundo lembro-me do dia em que ela nasceu. Lembro-me de como ela ficava com os olhos abertos olhando para mim silenciosamente quando eu ia visitar minha irmã. E aqui está ela, pequena, mas bem maior, e um dia será maior ainda e no final de tudo, será, mais uma pessoa.
Á noite, minha irmã faz um jantar, mas apesar de ter comido um bom tanto acabo vomitando tudo. Quando saio do banheiro, encontro minha sobrinha parada defronte á porta. Simplesmente a ignoro e em seguida vou para o sofá. Minha irmã pôs um colchão na sala para mim dormir, mas não consigo. Passo boa parte da noite me revirando no colchão até que decido ir embora. Saiu silenciosamente pela porta da frente, carregando comigo apenas as chaves do carro. Quando eu abro a porta, ouço o som de um soluço atrás de mim. Viro de volta e encontro minha irmã chorando olhando pra mim.
- Eu te aviso quando chegar. - Digo.
Ela apenas concorda com a cabeça.
Avanço pela estrada á noite enquanto sinto o frio em minha pele. Meus lhos estão cansados, meu estomago está embrulhado. Diversas vezes eu paro para chorar e outras para vomitar á beira da estrada. E nesse ciclo viciante, eu dirijo até o amanhecer, quando por fim, paro o carro no meio de uma estrada vazia e apoio a cabeça no volante. Choro como se a minha garganta fosse explodir, e depois do choro, como sempre, vem a tranquilidade.
Ouço o som dos pássaros cantando ao amanhecer. E ainda de cabeça baixa, vejo a luz do sol adentrar o carro. Elevo a minha cabeça e vejo o sol nascer ao horizonte, detrás das colinas. Gigante. Brilhando. Aquecendo. Trazendo o conforto que nem mesmo minha mãe, minha irmã ou minha sobrinha conseguiram me trazer. E eu não mais me senti o fruto de um mundo cujo existia simplesmente por questões favoráveis, não mais me sentia como apenas um.
E então não importava mais se eu ia morrer, se eu ia viver, se eu iria ter filhos, se eu iria me casar, se eu seria alguém valorizado... Eu sabia quem eu era, e eu sabia o motivo pelo qual eu existia. Eu havia encontrado todas as respostas para a minha pergunta, no céu. No sol. Na maior maior criação de todas, no símbolo, no sinal. No calor. O céu. O Amanhecer. A vida.
Eu.
Era.
A.
Vida.
CÉU - PARTE 3: ANOITECER
Olho ao redor. Eu sempre a critiquei por isso. Mãe solteira. Sozinha. Não tinha ambições. Não tinha sonhos muito altos. Mas aqui estava ela. Feliz. Ou estaria feliz se não fosse por mim. Ela tenta me fazer beber o chá, mas eu não quero por nada pra dentro. Meu estômago está embrulhado, estou com enjoado, minha cabeça está doendo e tudo parece incrivelmente surreal. É como se eu estivesse num sonho. As paredes, os quadros, os móveis, tudo estava fora do foco, periférico, minha visão estava turva, o que aumentava mais ainda a sensação de enjoo. Por um segundo sinto que eu vou vomitar. Ela segura em meu braço e eu volto á Terra.
— Você precisa comer. A quimioterapia vai ser difícil e quanto mais forte você estiver...
— Não adianta agora. — Digo. — Eu estou morrendo.
Ela enxuga uma lágrima silenciosamente e suspira.
— Não é hora pra ser criança. É hora de assumir as consequências e parar com esse vitimismo.
— Mas é isso o que eu estou fazendo. Estou assumindo as consequências e assumindo aquilo que cedo ou tarde vai acontecer comigo.
Ela se levanta e tenta conter as lágrimas novamente.
— Você não aprende. Nunca aprende. Nunca aprende que você não precisa ser forte o tempo inteiro. Você não precisa resistir o tempo inteiro. Demonstrar fraqueza não é assumir derrota, é... ser humano.
— Mas eu não sou assim.
— Por querer sempre ser o dono da razão. Nós dizíamos "pare de fumar", mas você achava que nada ia acontecer com você.
— Ao contrário, eu não tinha medo de que isso fosse acontecer comigo.
— Mas você está com medo agora. Você não pode prever seus sentimentos e suas reações perante uma desgraça.
— Morrer não é uma desgraça, é parte da vida.
— É sempre uma desgraça pra quem precisa ficar e aguentar a saudade.
Ela senta no outro sofá perante á mim e cobre o rosto nas mãos enquanto apoia os cotovelos em seus joelhos. Eu levanto e vou até o outro lado. A abraço e sinto ela soluçar.
— Eu vou ficar bem. — Disso.
— Eu sei que vai. — Disse ela com uma voz rouca e abafada pelas suas mãos.
— Você precisa orar. — Disse ela.
— Isso não vai adiantar.
— Mas você nem ao menos tentou.
— Eu respeito a sua fé, mas Deus não existe. É um delírio. É da mente humana acreditar que existem forças misticas e...
— Tem dado certo. Ateus não entendem como funciona. Você não precisa de provas científicas pra acreditar em Deus. Tem funcionado pra nós. Eu não sei como, mas Deus me responde. Eu não sei como, mas eu sinto Ele. Eu não sei como... mas quando eu sigo o que ele diz eu vou bem. Ele me faz feliz, e pode fazer você feliz também.
Eu queria acreditar. Eu queria do fundo do meu coração acreditar. Mas isso não era pra mim. Só funciono com fontes. Informações desse tipo, serão sempre impermeáveis á mim.
— Me prometa que você vai tentar orar.
Eu entrei em conflito.
— Sim.
Neste momento, olho para o lado e encontro a porta entreaberta. Do outro lado, minha sobrinha de sete anos me encara com seus grandes olhos escuros. Eu arrisco um sorriso pra ela. Ela abre a porta lentamente e vai se aproximando de mim....
CÉU - TARDE - PARTE 2
E então, as lágrimas simplesmente cessaram.
Não descia nem mais uma sequer. O silêncio era cortado pelo simples e delicado
som do fogo crepitando os livros. Olhei para o fogo que continuava vivo á
queimar cada uma daquelas páginas. Nada fazia mais sentido pra mim. Não
importava quantos livros eu tinha tido. Quantos diplomas. Quantos prêmios. No
final, a única coisa que te serve na vida, não é ser a pessoa que você espera
ser, mas simplesmente, viver segundo o que te faz um ser humano melhor. Um ser
humano mais livre.
Olhei para o fogo. Á esse momento, só havia
uma pilha cinzenta do que era uma pilha de livros. As cinzas corroeram parte
por parte do que antes era tudo pra mim. E então, eu me senti sozinho. Eu me
senti tão… vazio. As palavras eram as únicas coisas que preenchiam o meu vazio.
Os livros eram os únicos que conseguiam fazer sentido em minha vida.
Assim como eles, eu simplesmente me deixei
ir. Queimei lentamente até que tudo o que me restou foram cinzas esfareladas.
Não precisei limpar as cinzas. Felizmente
começou á chover, e a água apagou o fogo e lavou o quintal. Permaneci sentado
na varanda, sobre os degraus, enquanto pensava sobre mim mesmo. Era engraçado
não me preocupar com a hipótese de ficar gripado. Uma gripe era o menor dos
meus problemas.
E esse foi um dos momentos em que você
começa á se questionar sobre a vida. Afinal de contas, o que realmente eu sou?
Bem… eu sou quem eu queria ser quando adolescente, mas isso não mudou a minha
vida e eu ainda continuava insatisfeito, como sempre fora, desde criança, jovem
e adulto. Nunca satisfeito. Sempre vazio. Sempre com esperança de um futuro
melhor, mas as melhoras, assim como o futuro, nunca chegava. E o alcance de
metas não é sinônimo de uma vida perfeita, mas simplesmente uma vitória.
Vitórias não poderiam me curar do câncer.
Palavras não poderiam me curar do câncer. Diplomas não poderiam me curar do
câncer.
E se tudo o que eu pensei a minha vida
inteira fosse uma ilusão? E se tudo em quê eu depositei fé fosse uma mentira?
Eu. Cético. Eu. Ateu. Nunca depositei fé em nada que não fosse o meu intelecto
e isso não me transformou numa pessoa melhor, ou numa pessoa mais feliz, mas
sim, num torturante resultado de uma vida vazia, sem nada á quê se agarrar. Sem
nenhum propósito.
Vivendo o reflexo do nada. Do acaso. Duma
explosão. Do carbono.
Eu não conseguia mais chorar. Nem mesmo se
eu quisesse. Eu não conseguia mais relaxar, meu cérebro pensava em todas as
possibilidades, em todos os erros, em todos os pontos onde eu caí, em todas as
brechas, nos lugares onde eu errei, nas pessoas que eu magoei, mas
principalmente, nas pessoas que sofreriam por mim. Eu sempre fui um fardo.
Porém, o que mais me assusta é a
possibilidade de viver sem ter experimentado o que é ser completo. Sem ter
vivido nem sequer um dia sem essa sensação de vazio. Sem ter tocado, nem sequer
uma vez, a felicidade com os meus dedos. Sim, pois felicidade não é rir.
Felicidade é ter uma vida sem preocupações e uma mente calma. E isso eu nunca
tive e inclusive é uma contradição gigantesca eu falar com tanta destreza sobre
felicidade. Eu sempre fui bom em palavras, mas péssimo na prática.
Levantei-me. Minha camisa e os meus cabelos
estavam molhados da água da chuva. Peguei as chaves do carro e em seguida o
maço de cigarros. Olhei para eles...
Quer saber, antes de morrer, eu quero
experimentar o que é não depender de algo. Liberdade não é ser viciado em
drogas ou álcool sem se preocupar, mas é simplesmente, ser feliz sem precisar
deles. E já como estar com eles não estava funcionando.
Parti pra estrada.
CÉU: PARTE 1: MANHÃ
Pensei na minha mãe e o tanto que ela se
esforçou para dar o melhor pra mim. Pensei no meu pai, que sempre me ensinou á
ser um homem de valor. Lembrei da minha irmã, que eu critiquei tanto por não
fazer faculdade, mas que hoje tem um belo esposo e três lindos filhos. Lembrei
da minha ex-mulher, que disse que eu ainda ia pagar por tudo o que eu fiz. E
então, tudo isso era o simples reflexo do nada. Eu era o nada. Eu era o vácuo.
Câncer de estômago. Surpreendi-me ao ver
que não era de pulmão, pois sinceramente eu fumo mais de quê eu falo. E então,
eu não sei o que eu senti. Foi uma mistura de medo, melancolia e solidão. O
mundo era frio. O mundo era um lugar terrível. E eu, eu ia morrer da maneira
mais patética possível: com um câncer, do mesmo modo que uma geração de personagens
da literatura. Nem sequer na minha morte eu poderia ser algo diferente. Não! Eu
seria apenas mais um numa lista gigantesca de pacientes ao redor do mundo.
Minha mãe chegou á minha casa uma hora depois. Eu já tinha contado tudo
por telefone. Ela me abraçou e me olhou sem dizer. Ela já me conhecia. Palavras
do tipo “você vai melhorar, você vai vencer”, não funcionam comigo. Ao invés
disso, ela simplesmente me abraçou, e o abraço foi melhor que todas as palavras
do mundo. Não chorei. Não consegui chorar. Estava chocado demais.
Era tudo tão surreal! Você nunca imagina
que pode estar morrendo. Você sempre procura fugir de pensamentos que se
relacionem com uma suposta sensação de estar morrendo. E de repente, aquilo que
você leu nos livros, aquilo que você vê nos documentários, e nas reportagens de
domingo no “Fantástico”, começa á acontecer com você. E então, o pânico
aparece, e então, você é um nada.
—
O que você vai fazer? — Pergunta minha mãe.
Eu dei de ombros. Estou sentado no chão com
as costas apoiadas ao sofá. Minha mãe faz cafuné na minha cabeça, mas ao invés
de eu me acalmar, tudo o que eu consigo pensar é que logo, logo eu terei que
cortar todo o meu cabelo.
— É
só… confiar na medicina. — Eu disse.
Minha
mãe suspirou. Eu tinha puxado á ela. As lágrimas simplesmente escorriam de seu
rosto, mas eu não ouvia um gemido sequer, e a sua voz continuava tão limpa como
sempre.
— Eu
te amo.
— Eu
sei disso e não ajuda.
Minha mãe não respondeu.
— Eu
quero ficar sozinho. — Eu disse.
Minha mãe simplesmente saiu. Eu continuei
sentado. Eu não pensava, eu não reagia. Eu não sabia o que fazer. Até que a luz
da manhã refletiu na janela. A luz do sol adentrou o cômodo escuro e foi
diretamente aos meus olhos. E então, só então, veio um pensamento á minha
cabeça. Algo como “eu aposto que você consegue”. Eu ri e em seguida peguei o querosene
e todos os meus livros.
Nenhuma informação. Nenhuma palavra. Nenhuma
obra adiantaria. No fim das contas, nós fazemos as coisas por prazer e não
achando que elas irão nos mudar. Por isso, eu deixei queimar.
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